Taxação de super-ricos leva a arrecadação recorde e alivia caminho rumo a déficit zero

Cobrança de impostos sobre fundos de investimentos exclusivos superou expectativas

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

 25 de março de 2024 às 15:06

O governo federal encerrou a semana com duas boas notícias a respeito das contas públicas: na quinta-feira (21), a Receita Federal anunciou que a arrecadação de impostos no país nos dois primeiros meses do ano atingiu seu melhor nível desde 2000; já na sexta-feira (22), o ministérios do Planejamento e Fazenda informaram que os gastos públicos estão em rota para se igualarem às receitas federais ao final deste ano, cumprindo a promessa do Executivo de atingir o chamado déficit zero.

Os dois resultados positivos têm entre as causas algo em comum: o início da cobrança de impostos sobre fundos de investimentos exclusivos, usados por super-ricos para aplicações financeiras. A taxação desses fundos foi instituída por lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em dezembro e fez parte de um pacote de medidas proposto pela Fazenda para reequilibrar as contas públicas federais.

Fundos exclusivos são aqueles criados para atender um único cliente ou um grupo hiper-restrito de clientes – todos eles milionários. Para criar um fundo exclusivo, é preciso aplicar nele pelo menos R$ 10 milhões.

A cobrança de impostos sobre o rendimento desses fundos não seguia o padrão da tributação de investimentos no país. Até a sanção da lei, o rendimento dos fundos exclusivos só eram tributados em caso de resgate. Depois, passaram a ser tributados em sistema de “come-cotas”, como já acontece com outros tipos de aplicações financeiras.

A mesma lei também deu aos titulares desses fundos a chance de declarar rendimentos obtidos com as aplicações e pagarem impostos sobre isso de forma parcelada, com um desconto. A arrecadação com esses pagamentos inflou a arrecadação federal a partir de dezembro de 2023 e até fevereiro.

Foram pelo menos R$ 12 bilhões extras arrecadados em três meses, segundo a Receita Federal. Em março, outros R$ 4 bilhões devem ser arrecadados, totalizando R$ 16 bilhões só com os impostos sobre o ganho de capital dos fundos exclusivos.

Só isso já supera os cerca de R$ 13,2 bilhões estimados no Orçamento de 2024 com a arrecadação dessas aplicações. O governo ainda vai arrecadar cotas de rendimentos desses fundos em maio e novembro, o que tende a melhorar a marca.

“O valor não é tão grande, mas ajuda no conjunto de iniciativas do Ministério da Fazenda para elevar a arrecadação”, explicou o Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, sobre o impacto da nova tributação.

“O efeito é positivo e contraria muita gente que o subestimava”, acrescentou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Offshores

A mesma lei que instituiu a cobrança sobre rendimentos dos fundos exclusivos também determinou a cobrança sobre os ganhos com investimentos do tipo offhore, que geralmente são feitos em países considerados paraísos fiscais.

Atualmente, segundo o Banco Central, cerca de 20 mil brasileiros mantêm algum recurso fora do país. Cerca de 75% deles têm mais de 1 milhão de dólares (aproximadamente R$ 5 milhões) investidos no exterior.

Eles também passarão a pagar periodicamente impostos sobre os ganhos que têm com esses investimentos. Além disso, também poderão declarar rendimentos acumulados até o ano passado e recolher tributos sobre ele, com desconto. Esses pagamentos começam a ser feitos a partir de maio, segundo a Receita.

Meta

Considerando a arrecadação extra com os fundos exclusivos, o governo federal gastou R$ 9,3 bilhões a menos do que arrecadou nos primeiros dois meses do ano. Isso corresponde a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para o período, segundo o Planejamento.

O governo estipulou no Orçamento de 2024 que buscará igualar gastos e despesas. A lei do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), entretanto, dá uma margem de manobra ao governo de até 0,25 pontos percentuais do PIB, para cima ou para baixo.

Levando em conta essa margem, o governo está dentro da meta do déficit zero – promessa pessoal do ministro Fernando Haddad (PT). De acordo com o Planejamento, o governo poderia ter gasto até R$ 28,8 bilhões a mais que arrecadou para estar dentro da meta.

“Os números são muito bons, mas ainda é cedo para dizer que o déficit zero está garantido”, comentou o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Há muita coisa para acontecer no resto do ano, e isso tudo também vai depender bastante do ritmo da economia”

Bloqueio

Apesar dos bons resultados, o governo federal anunciou nesta sexta-feira um bloqueio de R$ 2,9 bilhões previstos no Orçamento de 2024. O corte será feito para cumprir o limite de gastos previstos para este ano também estabelecido por regras do NAF.

O NAF fixa que o gasto do governo pode crescer, no máximo, 70% do ritmo da arrecadação federal de um ano para o outro. Com base nesta regra, em 2024, o governo pode gastar até R$ 2.089,4 trilhões. Ao final do primeiro bimestre, as despesas anuais programadas estão em R$ 2.092,3 trilhões – diferença de exatamente R$ 2,9 bilhões, valor do corte.

O governo ainda não divulgou que tipo de gastos serão bloqueados. A expectativa é que os detalhes sejam divulgados até o final do mês.

“Bloqueio do Orçamento é ruim e é consequência da mudança, durante a tramitação do projeto, nas regras do NAF”, explicou Weiss. “Obrigou o contingenciamento, que no projeto original não seria necessário.”

Edição: Matheus Alves de Almeida para BdF

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