Descobridor de Endrick recorda indicação ao Palmeiras: ‘Se não contratar, vai chorar sangue’.
Referência na captação de talentos, Paulo Roca conta bastidores da ida do craque do Real Madrid à Academia de Futebol, projeta futuro de Estêvão e cita falta de identidade no desenvolvimento da base no País.
Em 17 de setembro, Endrick arrancou do campo de defesa em velocidade e com um chute forte rasteiro fez o seu primeiro gol com a camisa do Real Madrid na Champions League. Os atributos apresentados pelo craque de 18 anos da seleção brasileira na jogada são os mesmos que chamaram a atenção de Paulo Roca anos atrás. O agente de olhar apurado, considerado um dos principais identificadores de jovens talentos do futebol nacional, foi o responsável por levar o prodígio ao Palmeiras.
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A primeira vez que Paulo Roca viu Endrick jogar foi quando o atacante tinha apenas 9 anos. Segundo ele, o jogador sempre foi “abençoado fisicamente”, demonstrando agilidade e potência desde muito novo. “Às vezes você identifica um menino e ele vai mudando ao longo do tempo, não consegue mais fazer o que fazia antes. O Endrick, não”, conta. “Obviamente, uma das maiores virtudes dele era a força física, mas aliado com a capacidade de finalizar com a perna direita, e com a esquerda. Ele também tinha um desejo pelo gol que era uma coisa incrível.”
A certeza de que estava vendo o nascimento de uma joia pesou na insistência com João Paulo Sampaio, diretor da base palmeirense, para levar Endrick à Academia de Futebol. As exigências eram muitas para um menino de 9 anos, como escola particular e auxílio moradia, mas a boa relação entre os profissionais pesou para o clube alviverde afastar a concorrência de São Paulo e Grêmio. “Disse ao João ‘se você não contratar, vai chorar lágrimas de sangue”, revelou o agente. “O jogador bom sempre vai ter (no mercado). O diferente você tem de captar ainda nesta idade.”
A parceria entre Endrick e Paulo Roca durou cinco anos. A família do jogador decidiu trocar de agente perto de o atacante assinar o seu primeiro contrato de formação com o Palmeiras, optando por uma oferta financeira mais vantajosa. “O pai dele me perguntou se eu poderia cobrir a proposta e mostrei tudo o que já tinha investido. Ele voltou para casa, conversou com a esposa, e voltou com a resposta negativa. Fiquei desapontado, é claro”, diz Roca, que ainda detém um percentual da venda do prodígio.
Outro jogador que Paulo Roca teve a oportunidade de ver florescer foi Estêvão. Natural de Franca, no interior paulista, o jogador participou de competições em que o agente estava nas arquibancadas. Apesar do jeito franzino, a capacidade de conduzir a bola driblando adversários, aliada a uma boa finalização, não o deixou com dúvida. Sabia que teria de ligar para João Paulo Sampaio e levá-lo ao Palmeiras.
“O Luis Guilherme é outro com um estilo que se assemelha ao do Estêvão, de drible, corte para o meio. Acredito que também possa estar na seleção em breve”, afirma Roca, recordando a outra joia do trio de bilhão do Palmeiras.
Identidade brasileira
Com um longo histórico de observação em torneios de base, Paulo Roca é categórico ao afirmar que uma característica em específico mudou ao longo dos anos na busca por talentos: a parte física. Caso o atributo não seja uma virtude de um potencial atleta, é necessário ser “muito rápido e intenso”, na avaliação do agente. “Aquele jogador que a gente identificava lá atrás, como por exemplo o Paulo Henrique Ganso, possivelmente em uma avaliação hoje, ele não seria aprovado”, comenta o especialista na captação de atletas.
A evolução tática do futebol do europeu na última década, especialmente centrada na figura de Pep Guardiola, influenciou o desenvolvimento de atletas. Segundo Paulo Roca, tornou-se comum ver atletas sendo cada vez mais talhados ainda nas divisões de base, categoria em que deveria ter liberdade para explorar a criatividade, em prol de um modelo de jogo mais tático. Para o agente, isso reflete diretamente na seleção e no desenvolvimento do futebol brasileiro como um todo.
“Entendo que na formação precisa se incentivar o improviso, o drible, para que não vá tirando isso do menino. Às vezes a necessidade de ganhar competições na base se confunde com a formação e não deveria ser assim. É importante para os meus atletas serem vencedores para chegarem com uma mentalidade boa no profissional, mas é mais importante formar do que ganhar títulos. E isso é muito claro, caso contrário, não teremos um futuro promissor pela frente”, analisa.
O ponto de virada palmeirense
Paulo Roca tem como vista do apartamento onde mora na Pompeia o Allianz Parque, onde os meninos que ele viu dar os primeiros passos, como Endrick, Estêvão e Luis Guilherme, desabrocharam e marcaram um ponto de virada no Palmeiras. A base, antes pouco aproveitada, se tornou uma fonte importante de receitas para o clube, que ganhou a grife de bom vendedor e hoje vê o mercado cada vez mais procurando informações sobre atletas — o agente aposta em Vitor Reis como próxima grande venda do clube.
Ao comentar o crescimento do Palmeiras, Paulo Roca credita a ascensão alviverde ao trabalho iniciado por Paulo Nobre e às pessoas indicadas ao trabalho, especialmente João Paulo Sampaio, com quem mantém relação próxima. “Ele me perguntou quanto tempo eu achava que ele ia ficar. Eu falei ‘seis meses’ e ele se assustou, mas eu disse que se ele passasse de seis meses, ficaria seis anos”, relembra a situação, com bom humor.