Quando caminhos opostos entre a lei e o submundo se cruzam

Quando jovem, Daniel Tonetto leu entrevista de um jurista que recomendava a advogados que falassem vários idiomas, lessem muito e conhecessem culturas diferentes. Os conselhos mudaram sua vida. Ele se formou em Direito, virou professor universitário, é um bem-sucedido advogado gaúcho (com mais de 300 júris no currículo) e acrescentou aos saberes do velho causídico um outro: virou escritor. Sobre o tema que o apaixona, os dramas de tribunais. Esta semana, dia 15, ele lança em Porto Alegre mais uma obra: o livro de suspense policial Dois Caminhos.

É o sétimo livro de Tonetto, escritor nascido em São Sepé, mas radicado há décadas em Santa Maria, cidade que costuma estar no epicentro de seus romances e onde a obra teve sua pré-estreia, em sessão de autógrafos dia 4. A narrativa aborda a trajetória de dois amigos de infância, colegas de escola, ambos de famílias humildes. A vida os distanciou física e moralmente. Um continua nos estudos e se torna um advogado bem-sucedido (as obras de Tonetto sempre trazem inspirações autobiográficas). O outro mergulha no submundo das drogas e assaltos. Daí o título, Dois Caminhos. Como em suas obras anteriores, o autor alterna memórias pessoais (e de seus personagens) ao longo de várias épocas, mescladas com episódios históricos e em velocidade vertiginosa. São perseguições frenéticas, tiroteios, impasses éticos e morais. Tudo muito a ver com as experiências de Tonetto. Além de professor de Direito Penal e Processo Penal, ele atua profissionalmente tanto na defesa de acusados de crimes como na acusação, em algumas ocasiões.

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E, claro, assim como nos romances anteriores do escritor santa-mariense, Dois Caminhos também envereda para o palco dos tribunais. 

– Nessa obra, tento demonstrar a diferença entre quem escolhe o caminho do crime ao invés de tentar a superação por meio de uma profissão digna. Também abordo um pouco dos valores que considero primordiais, tais como a amizade, honra e lealdade. Em mais de duas décadas trabalhando nessa área, presenciei incontáveis situações como as narradas no livro. Sou testemunha de como as escolhas por um tipo de vida determinam o destino de cada pessoa – reflete Tonetto.

O escritor costuma elaborar suas tramas criminais em viagens. Já esteve em mais de 50 países e está sempre atrás de vivências culturais exóticas. Nas viagens costuma se inspirar em livros de autores do local visitado. Em Cartagena de las Índias (Colômbia), mergulhou na história de Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez. Em Nápoles, na Itália, conheceu as ruas por onde passaram os personagens da escritora Elena Ferrante. Fez o mesmo no Chile, com Isabel Allende, no Peru (Mario Vargas Llosa) e nos EUA, terra dos thrillers do best-seller Sidney Sheldon. O novo livro foi gestado numa visita à Áustria.

Após a inspiração, vem o desafio de colocar tudo no papel. Matutino, Tonetto acorda às 6h30min e, até as 8h, senta na biblioteca da sua casa, pesquisa e escreve. Não necessariamente ficção, já que também é autor de livros didáticos da área do Direito.

Foi assim na sua estreia ficcional, com a trilogia Crime em Família, mais de 500 páginas que devassam a vida de bandidos, advogados, promotores, juízes e toda a fauna dos tribunais, que se passam em três décadas, entre a Europa e o Brasil. Já em O Madre Tereza, outro romance policial, o palco é um antigo seminário, cujos alunos percorrem trajetórias de encontros e desencontros, alternando-se entre a lei e o crime. Fórmula que, em parte, é retomada em Dois Caminhos. O livro ficou entre os mais vendidos esta semana, no país.

As cheias que devastaram o Rio Grande do Sul em maio fizeram com que o lançamento do livro fosse repensado. Tonetto, em combinação com a Associação dos Professores Universitários de Santa Maria, decidiu que dois quilos de alimentos não perecíveis serão doados a vítimas da enchente, a cada livro vendido nos eventos de lançamento. O mesmo procedimento será adotado em Porto Alegre, no lançamento desta semana.

Dois Caminhos

Daniel Tonetto, 210 páginas, editora Avec

R$ 40, exemplar físico

Lançamento em 15 de junho, a partir das 15h, em Porto Alegre, na Livraria Santos (Rua Dinarte Ribeiro, 148, loja 06).

Venda disponível nas livrarias Santos, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. E, em breve, em livrarias virtuais

TRECHO

“- Escuta com atenção, Dr. Clóvis. A verdade é que antes de eu ver a minha mãe morta, eu cometi um latrocínio. Se eu admitir isso, é bem provável que eu responda pela morte da minha mãe e mais essa bronca aí.

– Entendi, foi você que matou o frentista do posto de gasolina? Mas como não pegaram o dinheiro do roubo contigo?

– Porque escondi antes…

– Então, ao invés de chamar socorro, perdeu tempo escondendo o dinheiro. Imagina se o delegado souber dessa informação, aí você está ferrado mesmo.

– Que mais eu poderia fazer? Ela já estava morta mesmo. Daí escondi o dinheiro, e quando ouvi as sirenes da polícia, me ajoelhei ao lado dela e fingi estar chorando.

– Não sentiu nenhuma espécie de tristeza?

– Deixa de sentimentalismo pra cima de mim. Você sabe que eu odiava aquela vadia, mas não é por isso que sou eu o culpado!

O advogado estava diante de uma situação inusitada. A maioria dos defensores se impressionariam ao ouvir a frieza daquele cliente, parecia até que o corpo de sua própria mãe valia menos do que um animal selvagem alvejado. Porém, para Dr. Clóvis, a situação não era nada mais do que uma oportunidade.”

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