Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro conduziram uma “operação resgate” sigilosa para recuperar um kit de jóias dado pela Arábia Saudita e tentar ocultar a tentativa de venda do presente nos Estados Unidos, apontou a Polícia Federal.
As movimentações foram motivadas pelo temor de uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) que mandasse o ex-mandatário entregar as jóias. O kit foi devolvido em 4 de abril, mas não houve menção que as jóias estavam nos Estados Unidos.
“A operação encoberta permitiu que, até o presente momento, as autoridades brasileiras não tivessem conhecimento que os bens foram alienados no exterior, descumprindo os normativos legais, com o objetivo de enriquecimento ilícito do ex-Presidente JAIR BOLSONARO, e posteriormente recuperados para serem devolvidos ao Estado brasileiro”.
-Polícia Federal, em manifestação ao STF
Quais jóias foram recuperadas?
As joias envolvidas no resgate integravam o chamado “kit ouro branco”, de acordo com a Polícia Federal,.
Compõem o conjunto: um par de abotoaduras, um anel e uma masbaha (rosário árabe), todos feitos com ouro branco, além de uma caneta da marca Chopard prateado com pedras incrustadas.
Havia ainda um relógio Rolex cravejado de diamantes, que foi separado do kit e vendido por Mauro Cid nos Estados Unidos. Os presentes foram dados a Bolsonaro durante viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2019.
A ida das joias para os EUA
A investigação da PF indica que Mauro Cid levou as jóias para os Estados Unidos durante viagem de Bolsonaro em junho de 2022. Na época, o então presidente participaria da Cúpula das Américas.
Cid não retornou ao Brasil junto da comitiva presidencial, e durante passagem nos EUA, o ajudante de ordens atuou para vender o kit ouro branco.
O primeiro foi o relógio Rolex cravejado de diamantes. A PF aponta que Cid foi até a loja Precision Watches, especializada em vendas de relógios, na cidade de Willow Grove, na Pensilvânia. Há o registro do deslocamento do ex-ajudante de ordens até o local, além de um acesso na rede WiFi do local pelo celular de Cid.
A PF obteve uma foto na nuvem do celular de Mauro Cid, que aponta a venda do relógio Rolex e outro relógio da marca Patek Phillipe por US$ 68 mil (cerca de R$ 346 mil). A conta destinatária dos recursos, segundo os investigadores, seria do pai de Mauro Cid, Mauro Lourena Cid.
O restante do chamado “kit ouro branco” foi levado por Mauro Cid à Seybold Jewelry Building, em Miami, onde a PF aponta que possivelmente teriam sido expostas à venda.
Imagem obtida pela PF sobre a venda do relógio Rolex por Mauro Cid em junho de 2022
O resgate sigiloso e o temor do TCU
Em março de 2023, após a revelação das jóias pela imprensa brasileira e o início das investigações sobre os kits recebidos por Bolsonaro, Mauro Cid e a equipe de auxiliares do ex-presidente passam a temer uma ordem de devolução do “kit ouro branco” – incluindo o Rolex já vendido – e passam a articular uma “operação resgate” sigilosa.
De acordo com a PF, a operação começou em 8 de março, quando Mauro Cid troca mensagens com o assessor de Bolsonaro, Marcelo Câmara, sobre o “Kit Ouro Branco”, que estava nos Estados Unidos.
“A preocupação de MARCELO CAMARA em relação ao que ele chamou de “e os outros” se deu pois os itens que compunham o denominado “KIT DE OURO BRANCO”, foram separados, sendo o relógio Rolex, alienado para a loja PRECISION WATCHES, na cidade Willow Grove, Pensilvânia/EUA e o restante do Kit foi destinado a lojas localizadas no complexo Seybold Jewelry Building na cidade de Miami”
Polícia Federal, em representação ao STF
Em uma das mensagens, a PF aponta que Marcelo Câmara demonstra “nervosismo” para recuperar o kit ouro branco.
A preocupação tinha motivo: o TCU sinalizava que cobraria a entrega dos kits de jóias e ainda determinaria uma auditoria nos presentes recebidos pelo ex-presidente. Em 15 de março, o TCU mandou Bolsonaro devolver dois kits de jóias recebidos por Bolsonaro em 2021.
O “kit ouro branco”, presente dado em 2019, ainda era desconhecido pelo tribunal, mas a sua entrega passou a ser vista como uma possibilidade por Cid e auxiliares de Bolsonaro.
“Esta possibilidade, explicaria a intensificação dos diálogos entre estes interlocutores no sentido de obter informações sobre os itens o denominado “KIT OURO BRANCO”, especificamente o relógio Rolex”
Polícia Federal, em representação ao STF
O temor é reforçado em uma conversa entre Mauro Cid e Marcelo Câmara, que encaminha uma reportagem sobre as armas recebidas por Bolsonaro da Arábia Saudita.
Câmara diz a Cid: “Vai chamar a atenção para o presente de 2019”, se referindo ao kit ouro branco.
Wassef é escalado para “resgate”
Com a operação em mente, os auxiliares de Bolsonaro escalaram o advogado Frederick Wassef, que embarcou no dia 11 de março para os Estados Unidos. Sua missão era reaver o Rolex vendido pro Cid em 2022, e que integrava o “Kit Ouro Branco”.
O resgate foi bem-sucedido e Wassef recuperou o relógio no dia 14 de março. Em 29 de março, o advogado retornou ao Brasil.
Em outra frente da “operação resgate”, Mauro Cid embarcou para os EUA em 26 de março, chegando à cidade de Fort Lauderdale às 7h do dia seguinte. O objetivo do ex-ajudante de ordens era recuperar o restante do “kit ouro branco”.
Segundo a PF, Cid se deslocou à Seybold Jewelry Building, em Miami, onde o restante das jóias teriam sido expostas à venda. Às 13h, ele encaminha uma mensagem ao segundo-tenente Osmar Crivelatti, da equipe de Bolsonaro: “Resolvido!”
Ainda no dia 27 de março, às 22h, Mauro Cid embarca de volta ao Brasil e chega em Brasília com o Kit Ouro Branco.
No dia 28 de março, a existência do Kit Ouro Branco é revelada pela imprensa e, um dia depois, o TCU obriga Bolsonaro a entregar as jóias.
Mauro Cid e Frederick Wassef se encontram em São Paulo no dia 2 de abril e, dois dias depois, a defesa do ex-presidente entrega o kit completo à Caixa, cumprindo a ordem do TCU.
Os aliados de Bolsonaro, porém, não relataram às autoridades a “operação resgate” sigilosa das jóias.
“Toda a operação foi realizada de forma escamoteada, fato que permitiu os investigados devolverem os bens sem revelar que todo o material estava fora do país, ao contrário das afirmações prestadas, inclusive em procedimento criminal instaurado para apurar a possível entrada irregular das joias que integravam o denominado KIT ROSE, em que afirmaram que todo o acervo do ex-Presidente JAIR BOLSONARO estava armazenado na localidade denominada ‘Fazenda Piquet’, no Distrito Federal”
Polícia Federal, em manifestação ao STF
O que diz a defesa de Bolsonaro
“A defesa do Presidente Jair Bolsonaro voluntariamente, e sem que houvesse sido instada, peticionou junto ao TCU — ainda em meados de março, p.p. —, requerendo o depósito dos itens naquela Corte, até final decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito.
O presidente Bolsonaro reitera que jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos, colocando à disposição do Poder Judiciário sua movimentação bancária.”
Fonte UOL