Quem for assistir a “Pobres criaturas”, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (1º), pensando que a produção é apenas uma nova adaptação de “Frankenstein” ou “A noiva de Frankenstein”, pode ficar chocado. Apesar de ter uma protagonista que volta à vida após a experiência de um cientista genial, porém louco, as semelhanças param por aí.
Felizmente, o novo filme do diretor Yorgos Lanthimos (“A favorita”, 2019) vai muito além e provoca, faz pensar e impede qualquer indiferença — mesmo entre aqueles que ficarem incomodados com alguns momentos mais intensos.
As qualidades de “Pobres Criaturas” resultaram em 11 indicações ao Oscar 2024, como melhor filme, melhor diretor (Lanthimos), melhor atriz (Stone) e melhor ator coadjuvante (Mark Ruffalo). O filme ainda levou os Globos de Ouro de melhor comédia ou musical e melhor atriz do gênero.
Inspirado no livro de Alasdair Gray, a trama é centrada em Bella Baxter (Emma Stone), jovem que vive em uma luxuosa mansão com Godwin Baxter (Willem Dafoe), que a mantém isolada do mundo.
Bella, na verdade, havia morrido e Baxter conseguiu ressuscitá-la através de um experimento em que ele coloca nela um novo cérebro.
Cada vez mais curiosa em saber como é o mundo externo, à medida que sua mente evolui, Bella acaba conhecendo o malicioso advogado Duncan Wedderburn (Ruffalo), que a convence a viajar com ele.
Em uma jornada por vários continentes, ela evolui ainda mais como mulher e ser humano, mesmo que muitos não entendam seus pontos de vista fora dos padrões sociais.
“Pobres criaturas” se destaca entre os filmes recentes de Hollywood pela forma criativa e inusitada que Lanthimos conta sua história. O diretor arrebata o público ao misturar elementos de drama, ficção científica e humor com equilíbrio e sem medo de levar sua proposta por caminhos fora do convencional. São momentos incríveis que cativam pelo surrealismo e pelos elementos surpresa espalhados por todo o longa.
Algumas cenas impactam, especialmente pela maneira que a protagonista experimenta os prazeres do sexo. Outras causam encantamento pelo cuidado visual que Lanthimos e sua equipe (em especial seu diretor de fotografia, Robbie Ryan, indicado ao Oscar) criam para o filme. Há imagens belíssimas, tanto em preto e branco, quanto em cores.
O cineasta volta a usar enquadramentos incomuns, através de lentes pouco usadas no cinema convencional, como fez em “A favorita”. Mesmo que pareça repetitivo para quem já viu seus outros longas, nunca perde o efeito de deixar o público em geral impressionado.
Outro mérito de “Pobres criaturas” está no roteiro de Tony McNamara (de “A favorita”). O texto conta com bons diálogos, falas desconcertantes e personagens bem construídos. O script desenvolve bem a história: apesar de ter uma pequena queda perto do fim, volta a ganhar fôlego depois.
Mulher super poderosa
Mas “Pobres Criaturas” não seria um projeto tão bem-sucedido se não fosse a fenomenal interpretação de Stone como Bella. A atriz se arrisca em um papel ousado e se despe de todos os pudores para realizar cenas intensas e audaciosas. Ela já ganhou um Oscar (por “La La Land”, em 2017) e poderia fazer apenas papéis bem-comportados e convencionais durante o resto da carreira.
Emma, que já tinha mostrado que não queria só fazer mocinhas bondosas em filmes como “A Favorita” e “Birdman” (2015), quer explorar em “Pobres Criaturas” outros campos de atuação. Ela constrói muito bem a evolução de sua personagem, apresentada como uma criança grande, porque sua mentalidade está em desenvolvimento.
Poucas atrizes conseguiriam fazer esse trabalho tão bem. Não é por acaso que ela tem grandes chances de levar seu segundo Oscar para casa.
O restante do elenco também está muito bem. A começar por Dafoe. Debaixo de uma maquiagem exótica, o ator convence ao tornar Godwin um homem estranho e ambíguo.
Já Ruffalo, embora competente, não chega a ser tão brilhante em sua atuação quanto a vista em outros filmes. O ator, indicado ao Oscar, começa bem nas cenas mais complexas com Stone. Mas, depois da metade do longa, acaba entregando uma performance abaixo do esperado. Não atrapalha, mas não se destaca.
O pouco conhecido Ramy Youssef, que interpreta Max, o assistente de Godwin que se encanta por Bella, funciona bem, mas não tem muito espaço para se destacar mais.
“Pobres criaturas” comprova que Lanthimos é mesmo um dos diretores mais interessantes a surgir nos últimos anos e que encontrou em Stone sua musa.
Os dois, aliás, já fizeram um terceiro filme, “Kinds of Kindness”, ainda sem título em português e sem previsão de lançamento no Brasil. Certamente, será mais uma obra que vai dar o que falar.