Uma história brasileira digna de Netflix; conheça o homem que enganou 2 papas e vários presidentes dos EUA. Além de banqueiros do BTG pactual…
A coleção de arte de Mario Garnero não era bem o que os credores do BTG esperavam – e a corrida para recuperar 27 milhões de reais do ex-bilionário continua
Quem chega à sede da fazenda do empresário Mario Bernardo Garnero no distrito de Sousas, em Campinas (SP), não sabe para onde olhar primeiro. A biblioteca guarda milhares de volumes, além de fotografias do anfitrião ao lado de personalidades tão ilustres quanto o ex-presidente dos Estados Unidos George H. Bush, o Bush Pai, e os papas João Paulo II e Bento XVI. Apreciadores das artes plásticas miram as paredes e logo reconhecem A Caminhada do Penhasco em Pourville, do impressionista francês Claude Monet, e Cariátide, do modernista italiano Amedeo Modigliani.
Alguns cômodos adiante, nas paredes da sala de jantar, o impacto de quatro telas do espanhol Pablo Picasso. Um quinto quadro do pintor cubista fica próximo ao jardim dos fundos.
Não foi sem motivo, portanto, que os advogados do banco BTG estavam em polvorosa na manhã de 21 de março deste ano. Naquela data, a Justiça cumpriu mandado de penhora na fazenda de Garnero na tentativa de localizar bens que cobrissem os 27 milhões de reais decorrentes de um empréstimo bancário não pago pelo empresário.
Obra de Monet, que junto as outras 6 de “Picasso e Modigliani” eram réplicas igual “chinelo Kenner” dos anos 90.
Os advogados do BTG já suspeitavam haver bens de alto valor dentro do imóvel, uma vez que, por determinação judicial, foi anexada na ação de cobrança da dívida, que tramita na 11ª Vara Cível de São Paulo, cópia da declaração do imposto de renda de Mario Garnero relativa ao ano de 2021 (o processo, que é público, foi consultado pela piauí). Nela, o empresário declara patrimônio de 1,6 bilhão de reais, incluindo 137 milhões em “quadros, joias carros e outros bens”, sem especificar nenhum deles.
Devido ao suposto acervo de obras de arte, o BTG solicitou à Justiça mandado para penhorar bens de valor na casa de Garnero, o que foi deferido pela 11ª Vara em novembro de 2022.
A penhora, no entanto, só ocorreria naquele dia 21 de março. O oficial de Justiça listou sessenta bens de valor, entre quadros, esculturas, móveis e até uma carruagem antiga. Para os advogados do BTG, saltaram aos olhos as sete obras de Monet, Picasso e Modigliani. Como todos os bens penhorados ficaram na posse de Garnero, dois dias depois, em 23 de março, diante da alegação de que as obras de arte pudessem sumir do imóvel, o banco solicitou ao juiz que os sete quadros fossem retirados da fazenda e levados para São Paulo, onde ficariam sob a guarda de uma empresa de segurança. Também solicitou que as sete obras fossem periciadas quanto à autenticidade. A Justiça concordou com os dois pedidos.
Na tarde de 25 de março, um sábado, o perito Douglas Quintale, acompanhado do oficial de Justiça, avaliou os sete quadros – Garnero, que estava no imóvel, não apresentou documentação (certificado de autenticidade ou recibo de compra) de nenhum deles, o que seria natural para um colecionador de telas tão valiosas. Em seguida, as obras foram levadas a São Paulo por homens armados da empresa de segurança Brinks, contratada pelo BTG. Dias depois, o laudo de Quintale trouxe conclusão surpreendente, válida para todos os sete quadros: “Não resta qualquer dúvida que não se trata de obra de arte feita por mão de artista qualquer, tão somente uma reprodução […] sem valor comercial de obra de arte.” A tela original de Monet, por exemplo, está atualmente no Instituto de Arte de Chicago, Estados Unidos. O que o banco julgava ser um patrimônio milionário não passava de falsificações, com valor total de 1,2 mil reais. Os quadros foram devolvidos a Garnero.
os últimos dez anos, Mario Bernardo Garnero vem acumulando sucessivas dívidas decorrentes de calotes em empréstimos bancários. Levantamento da piauí no Tribunal de Justiça de São Paulo encontrou doze cobranças judiciais de dívidas contra o empresário, totalizando 236 milhões de reais, em valores não atualizados. A própria fazenda onde ele mora, em Campinas, está penhorada em razão de dívidas.
Tudo de “arte elevada” desse rapaz não passava de menos de um salário mínimo. Todos os seus visitantes ilustres, de papas a presidentes norte-americanos, foram trolados. Toda sua vaidade e conversa fiada ao citar sua coleção não passava de fraude dolosa. Falsificações baratíssimas por sinal.
Um pobre que usa um tênis ou um boné “replicado” não passa de alguém tentando driblar o custo de marcas registradas por incapacidade financeira mesmo, uma vaidade menor de carência na auto-afirmação – uma vítima da moda e da mídia. Já o bilionário da matéria tem nas mãos diversas possibilidades de desvio brabo com tantas obras falsas usadas até como garantia de empréstimo. Vida de rico é cheia de ‘maroagem’ e malícias que nem um de nós imagina como seja...
Fonte: Piauí com Renato Martins para RXN