A tecnologia de inteligência artificial (IA) tem se tornado cada vez mais presente na rotina da população mundial. Contudo, a ferramenta criada com o intuito de facilitar a vida das pessoas tem gerado alguns debates, principalmente sobre quais os limites que devem ser seguidos para o uso ético do recurso. Especialistas e professores do curso de Direito da Faculdade Mackenzie Brasília, Ronaldo Bach e Gracemerce Camboim trazem pontos importantes à discussão e os desafios a serem enfrentados daqui pra frente.
Primeiro, é importante explicar que a inteligência artificial é uma tecnologia que, por meio de uma programação de algoritmos, faz com que uma máquina faça tarefas consideradas complexas. Esses algoritmos viabilizam que as ferramentas de IA organizem dados coletados identificando padrões de repetição e aprendam, por vezes de maneira semelhante ao raciocínio dos humanos.
“Atualmente, os mecanismos de inteligência artificial são capazes de aprender com os próprios erros. A ferramenta pode compreender e induzir comportamentos de clientes em potencial, auxiliar profissionais da área de saúde em diagnósticos médicos, dirigir veículos, contribuir com a confecção de alimentos, entre outras tantas aplicações”, aponta Ronaldo Bach, coordenador do curso de especialização LLM em Direito Digital e Cibernético.
Além disso, a IA é capaz de sugerir estratégias jurídicas, auxiliar lideranças na gestão de grandes programas públicos e privados, imitar a voz do ser humano, recriar imagens utilizando uma base de dados, ajudar em pesquisas científicas etc.
Limites
Com tantas possibilidades, muito se discute os limites legais dessa tecnologia. Até que ponto a utilização de uma IA pode ferir a ética e os princípios morais de uma sociedade? O professor Ronaldo Bach pontua que, apesar de muitas das tecnologias incorporadas à IA serem recentes, as normas em vigor no país são utilizadas para situações que envolvam o mau uso da tecnologia.
“Por exemplo, não se deve utilizar uma IA para cometer um crime. As normas são claras, e o eventual criminoso será responsabilizado de acordo com as leis antigas. A IA ainda precisa enfrentar complexas questões éticas e morais e numerosos desafios jurídicos diante das novas possibilidades da tecnologia.”Ronaldo Bach, coordenador do curso de especialização LLM em Direito Digital e Cibernético da Faculdade Mackenzie Brasília
Recentemente, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu um processo interno para avaliar questões éticas de uma propaganda publicitária que recriou um dueto de duas artistas, uma viva e outra falecida. O caso abriu um grande debate sobre o assunto.
E essa não foi a primeira vez que a tecnologia de IA simulou um cenário com dados existentes de outras pessoas. É possível encontrar simulação de vozes de cantores consagrados criadas por inteligência artificial, por exemplo. Trata-se da chamada “deep fake”, tecnologia utilizada para criação de imagens ou vídeos, como no caso em que uma imagem mostrou o Papa utilizando uma roupa de grife.
Para Gracemerce Camboim, professora de Direito Empresarial e Propriedade Intelectual, as estruturas regulatórias sobre a proteção e a aplicação dos direitos de propriedade intelectual são importantes. “Como os dados de treinamento para modelos de IA geralmente precisam ser copiados e editados, a clareza das regulamentações relacionadas à proteção de direitos autorais se mostra essencial.”
De acordo com a docente, os desafios são inúmeros. “Acredito que a reflexão principal gira em torno de como identificar e distinguir quais obras/invenções são criadas por humanos e quais obras/invenções são criadas por máquinas.”
Atualmente, obras autorais criadas por seres humanos são qualificadas e protegidas pelas estruturas existentes, incluindo patentes, direitos autorais, desenhos industriais e segredos comerciais.
Regulamentação
A base de dados que a inteligência artificial utiliza, por muitas vezes é aquela que está disponível na rede de internet. Após uma busca rápida por informações públicas, a IA tem acesso e pode recriar textos, imagens e sons. Mas, apesar de ainda não ter uma lei que estabeleça limites para essa tecnologia, há sim algumas normas em que a população pode se resguardar.
Entre elas, está a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que estabelece diretrizes para coleta, armazenamento e compartilhamento de dados pessoais. Dessa forma, delimita de forma legal quem tem acesso a essas informações.
Além disso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações elaborou diretrizes para o uso da IA com a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA). “O texto apresenta de forma geral alguns parâmetros para a utilização dessa tecnologia. O que já é alguma coisa, enquanto não sai uma lei”, ressalta o professor Ronaldo Bach.
Para ele, é importante estabelecer normas e diretrizes para o uso de IA no país. E ficar atento ao senso ético das empresas que utilizam essa tecnologia. “Os algoritmos são a alma das inteligências artificiais e muitos deles têm sido tratados como segredos empresariais. Esse é o maior desafio, pois é acreditar que naquela programação não tenha algo que reforce preconceitos ou seja inadequado”, ponderou o docente.
Para além disso, Gracemerce relembra a recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre inteligência artificial. No documento, foram identificados diversos princípios para o desenvolvimento responsável da IA.
Impactos para o futuro
Para o professor Ronaldo Bach, a transformação proporcionada pela inteligência artificial tende a impactar o próprio Direito e o respectivo exercício. “O Direito tende a ser atualizado por dentro com a inteligência artificial, com a automatização de toda tarefa repetitiva. Assim como em outras áreas, vamos passar por mudanças.”
Com isso, os cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade Mackenzie têm preparado os estudantes para um mercado de trabalho em constante evolução, sabendo lidar com essa nova realidade, por exemplo. Além de terem acesso a um curso interdisciplinar, que vai além dos aspectos jurídicos, os alunos ficam por dentro de todo o debate ético e judicial que envolve as novas tecnologias.
“A atual tecnologia trará reflexos automatizando a análise de documentos e a pesquisa jurídica, permitindo que os operadores do Direito foquem seus esforços em questões inovadoras, complexas e de maior relevância”, ressalta Ronaldo. “O profissional do Direito deve se preparar para abandonar algumas tarefas hoje existentes e se concentrar em tarefas em que a tecnologia ainda não alcança.”
(Fonte: Metrópoles)