A economia brasileira cresceu 2,9% em 2023, primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), depois de uma alta de 3% em 2022, informou o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (1/3).
Embora o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) esteja em linha com as projeções mais recentes, a taxa ficou, mais uma vez, acima do que os analistas esperavam no início do ano.
No começo de 2023, a expectativa era de que o crescimento do ano não chegaria a 1%, segundo o Boletim Focus do Banco Central. Em 2022, as projeções também tinham se mostrado mais pessimistas do que o crescimento depois verificado naquele ano.
O “bônus da agropecuária” – ou seja, o desempenho do setor acima do esperado, principalmente da soja – foi fundamental para o resultado de 2023, aponta a economista Juliana Trece, coordenadora do Monitor do PIB da FGV (Fundação Getulio Vargas). Também reforçaram o resultado o desempenho de serviços e da indústria extrativa. (Veja mais detalhes abaixo).
Para 2024, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e economistas do mercado financeiro projetam um crescimento de cerca de 1,7% para a economia brasileira. A expectativa para a América Latina é também de um crescimento neste ano inferior ao verificado no ano passado.
A seguir, entenda o que explica o resultado do PIB de 2023 e o que se espera para 2024 no Brasil e na América Latina.
O que explica o resultado do PIB de 2023 e por que foi ‘desigual’?
O PIB de 2023 foi impulsionado principalmente pelo resultado da agropecuária, que teve uma alta de 15,1%.
“Em 2023, o que aconteceu – e, na verdade, essa acaba sendo uma explicação corrente ao longo da trajetória do PIB no Brasil – foi que a agropecuária puxou esse crescimento, principalmente no início do ano”, diz a economista Vivian Almeida.
Trece, que classifica o crescimento do ano passado como “muito bom”, comparado ao que era esperado no início do ano, pondera que o crescimento não foi sentido da mesma forma em todas as regiões.
Responsável pelo Monitor do PIB-FGV, que estima mensalmente o PIB brasileiro, Trece diz que uma análise das características do crescimento da agropecuária em 2023 revela “muita concentração” no tipo de produto – com destaque para a soja, apesar de desempenhos positivos de outras culturas, como milho e trigo – e, como consequência, também uma concentração regional.
“O crescimento ficou muito concentrado na região centro-sul do país, e isso acaba implicando numa desigualdade do crescimento. Ele não foi uniforme. Quando a gente fala ‘o Brasil cresceu 3%’, pode dar impressão que todo o Brasil cresceu nesse ritmo, mas não é verdade”, afirma Trece.
A economista complementa que, nesse contexto, já foi possível verificar que Nordeste e Norte tiveram desempenho mais fraco na agropecuária – embora os dados oficiais de crescimento por região só sejam divulgados pelo IBGE quase dois anos depois. “A pessoa que está lendo isso no Nordeste não terá sentido da mesma forma que a pessoa que tá no Sul”, diz.
E o que aconteceu nos outros setores?
No mesmo período, o setor de serviços cresceu 2,4%.
“Embora tenha crescido numa magnitude bem mais baixa do que agropecuária, o setor de serviços é o que mais pesa na economia e tinha uma perspectiva um pouco mais pessimista para ele no início do ano passado”, explica Trece.
No ano anterior – a base de comparação –, essa área ainda se recuperava dos efeitos da pandemia de covid-19.
“Em 2022, a gente cresceu muito por causa do setor de serviços, ainda tinha aquela questão da normalização da atividade econômica devido à pandemia, tinha a questão de muito incentivo fiscal em ano eleitoral, e a gente sabia que a base de comparação estava muito alta. Então já estava sendo esperado um desempenho um pouco mais desacelerado dos serviços, mas o setor de serviços mostrou certa resiliência no ano.”
Em 2023, a indústria cresceu 1,6%.
Trece destaca que é positivo o Brasil ter registrado avanço no crescimento nas três grandes áreas, mas aponta que os números gerais escondem “fragilidades”:
“A indústria cresceu – mas cresceu muito por causa da extrativa, do setor energético – e quando a gente olha a indústria de transformação, que é um motor da economia, a gente vê uma queda no ano. A construção também, que emprega muito, teve queda no ano.”
A indústria extrativa teve alta de 8,7%, enquanto a indústria de transformação teve queda de 1,3% e a construção, um recuo de 0,5%.
Do chamado lado da demanda, o destaque positivo foi o consumo das famílias, com uma alta de 3,1%.
A economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, aponta que esse resultado é efeito de medidas que aumentaram renda das famílias em 2023, além de uma redução no ritmo de alta da inflação.
“No ano passado, a gente teve uma série de medidas com esse potencial impacto (alta do consumo) – o aumento do programa Bolsa Família, a valorização real do salário mínimo, reajuste de servidor em diversas áreas. E teve a (taxa de) inflação começar a reduzir, que gera um estímulo também ao consumo de alguns bens.”
Ao mesmo tempo, o destaque negativo do PIB de 2023 foi o investimento, com um recuo de 3%.
“O crescimento de 2023, por ter sido muito influenciado pela agropecuária, esconde um pouco que a gente teve uma queda na formação bruta de capital fixo (investimento) (…) E isso é muito ruim quando a gente vai pensar em futuro”, diz Trece, da FGV.
O consumo do governo registrou crescimento de 1,7%.
O que esperar do crescimento da economia brasileira em 2024?
As expectativas de crescimento da economia brasileira em 2024 são de crescimento, mas em ritmo inferior ao de 2023.
Os analistas do mercado financeiro projetam um PIB de 1,75% em 2024, segundo o mais recente Boletim Focus do Banco Central. Foi a segunda alta consecutiva do levantamento, que é semanal.
Vilma Pinto, da IFI, explica que um dos fatores para uma projeção de um crescimento menor em 2024 é que este ano começou com um “impulso” ou “herança” menor do que 2023 – o chamado carregamento estatístico.
“Tem uma conta que a gente chama de carregamento estatístico, que é: se a economia ficar estagnada em 2024, quanto vai crescer o PIB só pelo ‘ponto de partida’? Para este ano, esse carregamento estatístico está muito menor do que no ano passado”, diz a economista.
A economista Vivian Almeida diz: “Em 2024, ainda que a gente não repita o agro, temos outros condicionantes que potencialmente manterão a previsão do PIB em 1,7%, como consumo das famílias e uma participação do investimento.”
Almeida acrescenta que uma trajetória de queda da taxa de juros “incentiva investimento, consumo e manutenção do desemprego em níveis mais baixos.”
Trece, da FGV, também diz que a perspectiva de redução de juros neste ano como “grande destaque para 2024 porque vai ajudar a fazer com que a economia continue crescendo”.
A taxa Selic está em 11,25% ao ano, após o Comitê de Política Monetária (Copom) ter aprovado uma redução em relação ao patamar anterior, de 11,75% ao ano.
A expectativa do mercado é que a taxa continue caindo até encerrar o ano em 9% ao ano, segundo o Boletim Focus.
Fatores externos – como eleição nos Estados Unidos – também podem afetar as decisões sobre juros no Brasil, como lembra Trece.
Na política interna, uma questão que os economistas estão de olho é a discussão fiscal. O déficit fiscal zero em 2024 está previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas uma eventual mudança vem sendo discutida.
O que esperar do crescimento econômico na América Latina em 2024?
A projeção de crescimento da economia brasileira feita pelos analistas do mercado e divulgada pelo Banco Central no Boletim Focus é muito próxima do que prevê o Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Brasil em 2024: um PIB de 1,7%, segundo previsão divulgada em janeiro (0,2 ponto percentual acima da previsão anterior).
A mudança, segundo a instituição, ocorreu principalmente devido aos efeitos de um aquecimento da demanda interna e de um crescimento acima do esperado das grandes economias parceiras comerciais do Brasil.
Para a América Latina e o Caribe, em geral, a projeção do FMI também é de um crescimento menos intenso em 2024 (1,9%) do que em 2023 (2,5%).
A projeção para a região foi reduzida em janeiro (de 2,3% para 1,9%) como reflexo do “crescimento negativo na Argentina no contexto de um ajuste de política significativo para restaurar a estabilidade macroeconômica”, segundo o FMI.
Para a economia global, o FMI projeta um crescimento de 3,1% – mesmo nível previsto para 2023.
No debate sobre dificuldades dos economistas nas projeções para o PIB, Trece aponta que um fator que desafia as previsões – especialmente em países onde a agropecuária é muito forte – é o efeito de mudanças climáticas.
“Isso vai ficar cada vez mais evidente”, diz. “Quanto mais a economia depende do agronegócio, nesse contexto que a gente vê cada vez mais as questões climáticas tomando conta, fica cada vez mais incerto fazer projeção de PIB, porque você pode ter uma expectativa muito grande de safra, mas um risco muito elevado também, porque se tiver qualquer impacto pode perder toda uma produção. É diferente, por exemplo, do que você consegue prever em uma expectativa de investimento na indústria de transformação.”